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Fome no Sul de Angola: Padre Pio alerta sobre crise humanitária que já afeta quase 2 milhões

Fome no Sul de Angola: Padre Pio alerta sobre crise humanitária que já afeta quase 2 milhões
set 24 2025 Beatriz Oliveira

A gravidade da seca no sul de Angola

Desde 2012, o sul de Angola vive um clima de escassez que virou rotina para quem depende da agricultura de subsistência. Nas províncias de Huíla, Namibe e Cunene, a falta de chuvas regulares impediu o amadurecimento das culturas e transformou muitas aldeias em verdadeiros semidesertos. Segundo estimativas da UNICEF, cerca de fome Angola já afeta quase dois milhões de pessoas, número que supera a conta oficial de 1,58 milhão divulgada em fevereiro de 2024.

Os números não mentem: 1,3 milhão de angolanos — o equivalente a 4 % da população total — enfrentam insegurança alimentar aguda, de acordo com o Relatório Global de Crise Alimentar de 2023. O agravamento em 2024 está ligado ao aumento das temperaturas, à diminuição das precipitações e à degradação dos solos, fatores que se somam ao histórico de déficits hídricos da região.

As comunidades mais castigadas são as que vivem em áreas remotas, onde o acesso a mercados e a serviços básicos é limitado. Adultos e crianças sofrem com a falta de refeições equilibradas, e os casos de desnutrição crônica têm aumentado nas unidades de saúde local.

Reação da sociedade e demandas ao governo

Reação da sociedade e demandas ao governo

O padre Pio Wakussanga, pároco de Gambos (Huíla) e coordenador da Plataforma Sul, tem sido a voz que ecoa nas ruas e nas notícias. Vencedor do prêmio "Defensor dos Direitos Humanos 2018", ele denuncia a "insensibilidade política" de autoridades que, segundo ele, subestimam a magnitude da crise.

Em entrevista, Wakussanga explicou que as estimativas oficiais são conservadoras e que a realidade nas aldeias ultrapassa o que os números revelam. Ele descreve campos que, antes verdes, tornaram‑se terrenos áridos, onde a vida vegetal quase desapareceu.

Para combater a emergência, o sacerdote organizou uma campanha de coleta de alimentos. Voluntários percorrem casas em Luanda e em outras cidades, arrecadando cestas básicas, grãos e produtos de primeira necessidade. A iniciativa conta com a participação de militares, ministros e cidadãos comuns, numa tentativa de suprir a carência imediata.

Ao mesmo tempo, o padre exige que o presidente João Lourenço declare estado de emergência. Ele argumenta que a gravidade da seca justifica medidas rápidas, como a liberação de fundos de emergência, o reforço de serviços de assistência social e a implementação de projetos de irrigação sustentáveis.

Outras vozes da Igreja também se manifestam. O padre Celestino Epalanga, secretário da Comissão Episcopal de Justiça, Paz e Integridade da Criação, critica a falta de respostas adequadas e cobra políticas de longo prazo. Por outro lado, o secretário da presidência, Norberto Garcia, reconhece a existência de "pontos críticos de fome" e assegura que o governo está trabalhando para melhorar a situação.

Um aspecto que merece atenção é o êxodo dos jovens angolanos rumo à Namíbia. A escassez de oportunidades no sul faz com que muitos busquem trabalho como pastores de gado, trabalhadores de hortas ou vendedores de artesanato. Contudo, relatos apontam para condições de exploração que beiram a escravidão moderna, com salários irrisórios e jornadas exaustivas.

Além da mobilização social, especialistas apontam para a necessidade de infraestrutura resiliente. A construção de reservatórios, a recuperação de bacias hidrográficas e o apoio à agroecologia são medidas citadas como essenciais para romper o ciclo de vulnerabilidade que se perpetua desde 2012.

Enquanto a comunidade internacional mantém programas de assistência, a pressão para que o Estado angolano assuma a liderança na resposta permanece alta. A população do sul aguarda não apenas alívio imediato, mas também estratégias que garantam segurança alimentar para as próximas gerações.